sábado, 9 de maio de 2020

Mesmo na imaginação, Sempre teremos Paris!!!







Guia de Paris - City Life - Istituto Marangoni



Sempre vi nos  filmes, que  quando as  pessoas estavam em cativeiro forçado,   o importante era estabelecer  rotinas dentro das possibilidades que tinham para que  o tempo passasse sem  que se desse a perda de seu discernimento. Lógico que não vou riscar  minhas paredes  com tracinhos para contar os  dias, pois numa prisão domiciliar no século XXI temos acesso a internet, aos livros e a qualquer coisa exceto o ir e vir da rua.
No entanto, para o  bem da  minha sanidade resolvi programar a  minha rotina dentro do mínimo possível com a  liberdade de trocar tudo, inverter movimentos, mudar horas, exceto é claro a  hora do panelaço na janela, que  não é determinada por mim.
Acordo às 8 horas, mais ou menos, agora sempre mais, levanto rapidamente tomo meu remédio para o estômago e deixo passar mais uma hora. Como faço isso? Na maioria das  vezes dormindo de novo por mais uma hora, até que me canso de estar na cama.
Levanto, vou a cozinha tomar meu café com leite, normalmente como também um pão feito por mim com algum queijo. Enquanto como, na mesinha da cozinha sentada de frente para os cactos,  sinto-me  em Paris. Talvez  porque exista ali um quadrinho daqueles que se compra em Montmartre, atrás da Sacré Coeur,  que tem a imagem de uma menina bebendo leite com uns gatinhos subindo em seu vestido vermelho, o dizer do quadrinho, uma propaganda, é, “ lait pur de la vingeanne stérilisé”.  Pois então, que ali naquele banquinho apertadinho, sinto como se estivesse sentada num daqueles cafés parisienses observando como um voyeur os cactos e o tomateiro. Converso com as plantas como se fossem gente, dou ultimatum a elas, ou ficam bonitas e elegantes ou abram espaço para outras que me contentem o olhar e o estômago. Outras  vezes no mesmo café eu ligo pelo whatzapp a um amigo e tomamos juntos o pequeno almoço colocando em dia as conversas do tempo, observando histórias e o povo que passa. Tempo temos todo, não perderemos o trem, nem o metrô. Não nos preocupa o frio, nem a chuva apenas os acontecimentos da rua, da política ou dos  filmes que assistimos na noite anterior. Sim,  o que seria de  nós sem os filmes  que nos embalam na  noite, para não sonharmos com a morte que se faz vizinha. Ganhamos ali um bom tempo, e a manhã já vai lá pelo meio quando nos despedimos até o dia seguinte, com outros amigos no café.
Terminado o preâmbulo  da  manhã arrumo a cozinha, lavo louças em silêncio pensando no almoço que farei e na opção da segunda  tarefa do dia. Sentar e ler, escrever, olhar pela  janela.
Mas tem dia na semana que tudo parece diferente, nesse dia levanto Sebastiana. Quando acontece não tem dia fixo, determinado, lógico que não sou  maluca de deixar acontecer duas vezes seguidas. Não, não tenho quadril para aguentar  isso. Nesse dia, quando Sebastiana incorpora, levanto tudo, passo o aspirador em toda casa, depois passo o Mopi, como um pano de chão úmido  com água e desinfetante, limpo os banheiros, tiro a poeira, faço tudo ao som de uma boa música. Quando acabo estou exausta e depois de um banho sento-me para ler uma coisinha.
Quando Sebastiana não desce, sigo a rotina lendo um pouco e depois escrevendo. Pela casa tem pequenas montanhas de livros, na sala eles ficam na cadeira ao terminar a leitura para consultar na hora da escrita. Na  biblioteca os livros ficam com outros arquivos e o computador de  mesa. Tenho ficado pouco na  biblioteca, já que  na sala de estar tenho me sentido mais alegre nesse período. Transferi pra lá a televisão, o tapetinho de  yoga, o quebra cabeças de mil peças que está a ser montado sobre a mesa e o notebook. Logo, vou a biblioteca pego o livro e na sala me divido sentada ora no sofá, ora no tapete, ora na mesa ou deitada no sofá. São  muitos caminhos para uma ou duas diversões,  quando não se pode sair.
Quando já vai o adiantado das horas, é metade do dia, almoço, sempre na sala. Como com o prato na mão e a televisão ligada. Vejo a entrevista do dia do Estado de São Paulo, embora eu more no Rio,  sem TV aberta, vejo pela internet.       
Passados 40 dias de quarentena, esse é o único momento em que eu vejo os jornais. Não quero mais saber quantas são os mortos, quanta gente tem chorando e quanta irresponsabilidade sai da boca de nosso governante. Não! me recuso a ouvir de qualquer um que a economia é  mais importante que a vida, pois toda vez que escuto isso fico sem dormir e  do alto  imagino  uma cidade deserta com seus prédios e completamente vazia. A humanidade dizimada pelos loucos de plantão no poder. Mas isso não é minha rotina, somente  vez por outra esse pensamento me acomete.           
Almoço, leio e escrevo ou ouço alguma palestra sobre filosofia, ou o herói de mil faces, faço isso montando o tal  quebra cabeças.
Entre quatro e cinco, a tarde começa a findar e minha diversão é conversar com as maritacas que passam na minha janela para o lanche. Antes da quarentena eu tinha comprado girassol e colocado na janela. Ninguém aparecia, mas agora fizeram daqui o pit stop antes de se recolherem da rotina diária de  voar e voar ecoando  seu berro agudo pelo bairro. Fico extasiada com elas, converso e filmo e depois distribuo para os amigos. Dessa mesma janela vejo a vida lá fora, ela  me transporta para a cidade,  plano com os olhos como um drone, ouço os pássaros no ar e vejo lá longe outras cidades: Caxias, Magé, o Dedo de Deus quando está bem claro. A esquerda vejo a igreja da Penha que tem ficado mais visível sem a poluição dos carros, a direita o aeroporto parado e ao longe o mar que separa o Rio de Niterói, vejo a grande  ponte, os navios chegando e saindo, as vezes buzinam, outras não, chegam suaves embalados pela maré. Olhando reto a catedral metropolitana  se impõe, assim como o relógio da Central do Brasil, que não é  mais o centro, e que quase despareceu do meu foco com um prédio novo que construíram. E tem ainda o aqueduto, os arcos da lapa, por onde corre meu bondinho que se encontra parado.
Quando  começa a escurecer ganho meu tempo a olhar cada luz se acendendo na cidade deserta, são como estrelas que vão surgindo em tempos diversos, vermelhas, verdes, brancas e amarelas. O risco da rua que sobe  tem iluminação amarela e no meio das estrelas parece um rio a traçar seu caminho. Sempre  fotografo, pois cada dia é um dia, cada dia os pensamentos pululam diferente e o sentir vai por si só se  borilando.
Chega a noite, 19 horas no relógio que acendeu, paro o que estou fazendo e pelo You tube faço uma aula de yoga. Estica daqui, força de lá, exercício para o quadril, puxa, estica, o limite de meu corpo é ativado, chego a suar no tapete da sala, esforço-me ao máximo e ao final shavasana que eu mereço. Saio revigorada, mas como uma boa preguiçosa não faço todo dia, e daí? Terá o amanhã,  estou presa mesmo!! Respondo sem piedade para mim mesma.
A noite já chegou, tomo um banho quente, bem quente, janto, depois de 40 dias jamais jornais, eles já chegam a mim por outras vias. Ligo o Netflix dolorosa a escolha  de um filme ou uma série curta, filmes de amor me deixam com saudade, comédias  bobas eu não gosto, mas tenho achado coisas  interessantes: filmes argentinos, espanhóis, franceses, poloneses e os tradicionais de Hollywood, todos dão prazer a minha curiosidade, compartilho-os com amigos assim como as experiências de cada dia.
Alice sempre me liga, meus pais e amigos também, tem dia que falo com vários amigos de viva voz e também com imagem. E o dia passou. Cada  dia, um por vez, nem sempre igual, pois tem dia que dou aula via internet, outro busco remédios para a  vizinha, outro vou ao mercado, outros tenho reunião de trabalho, mais sempre um pensamento é constante: vai passar!!!