domingo, 15 de agosto de 2010

UM PASSEIO PELOS JARDINS LABIRÍNTICOS DE JORGE LUÍS BORGES

(Elis Crokidakis Castro -autora)

Através dos contos de Borges o texto faz um passeio pela obra do autor, analisando os elementos que compõem essa escrita cheia de espelhos, labirintos, jardins e personagens que mostram o universo do escritor.

palavras chave: Borges, labirintos, jardins

A stroll through Jorge Luis Borges’s labyrinthine gardens.

Through Borges’s short stories the text takes a stroll by the author’s works by analyzing the elements which compose such writing plenty of mirrors, labyrinths, gardens and characters who unveils the universe of the writer.

Key-words: Borges, labyrinths, gardens.


A proposta de penetrar no mundo de Borges, fazendo com que ele passe a ser parte de nós, para depois tentarmos escrever sobre ele, é, sem dúvida, algo bastante interessante, pois antes de tudo é preciso que façamos um exercício que é comum entre escritores e artistas em geral. Teremos que nos despersonalizar, esquecer tudo que forma nossa personalidade e entrar de cabeça num universo novo, onde surgem elementos os mais variados possíveis.
No início desse processo opera-se um choque, pois saindo de um mundo moderno e urbano, abrimos a cortina do tempo e do espaço e passamos a percorrer um imenso campo verde, com planícies enormes onde não se vê o limite da terra e onde o campo se confunde com o céu. Aí, nesse lugar, deparamos com o primeiro personagem que Borges irá nos mostrar.
Trata-se do gaúcho, essa figura pitoresca que habita os pampas e que é um dos personagens mais fascinantes do autor argentino.
O gaúcho é homem de personalidade forte, macho, autoritário, caudilho, rude, violento, sagaz e inocente, que cultua certos objetos que compõem a sua imagem tradicional.
A faca é o instrumento do qual depende a sua vida, com ela o gaúcho faz tudo o que precisa para sobreviver no pampa. Ela serve para cortar o alimento e também para matar o inimigo.
A honra é um atributo essencial do gaúcho e seu código de ética é singular. O gaúcho tem suas próprias leis, vive de acordo com sua consciência marcada pela rudez de sua região, de seus costumes e de hábitos morais.
Nos contos que têm o gaúcho como personagem, existe uma apologia da barbárie, da vida desapegada dos valores materiais, em que a honra desse personagem se sobrepõe a qualquer outra coisa ou estado.
Para o gaúcho não importava se uma peleja terminaria em morte, já que, segundo o próprio Borges, eles “matavam e morriam com inocência”, eram rudes, pobres, sofridos, tocavam suas guitarras e cantavam até a aurora.. Entre eles, o cavalo era o melhor amigo, as mulheres nada representavam e ainda “aprenderam os caminhos das estrelas, os hábitos do ar e do pássaro, as profecias das nuvens do sul e da lua com um halo.”
Devido a essas características, e apesar da barbárie e da violência que são representadas nesses contos, o gaúcho tem também um lado especialmente carismático, talvez derivado de sua crueldade inocente.
Borges é fascinado pelo gaúcho e se lança nesse mundo dos pampas desvendando seus mistérios, vivendo suas aventuras, manipulando seus facões, vivendo através de seu personagem todas as ações que não viveu na realidade, mas que, talvez, estejam no seu sangue.
A liberdade que habita o gaúcho é algo como um sonho do próprio Borges: o gaúcho não tem amarras, não tem os valores de um homem comum, não tem pátria e “vive seu destino como num sonho, sem saber quem era ou o que era”, ou seja, sem muitos questionamentos, sem filosofia, apenas vivendo cada dia após o outro.
Paralelo ao gaúcho, Borges apresenta a figura do compadrito, no fundo, bastante parecido com o gaúcho, entretanto, o compadrito é mais urbano e, em vez do facão, ele usa o punhal. Já não vive tão naturalmente sem leis, mas também tem um código de subsistência próprio, só que esse não é tão rigoroso quanto o do gaúcho.
O compadrito - homem desocupado, briguento -, ao que parece, é mais ambicioso, tem mais fome de poder e tem caráter menos rígido. É o caso de Benjamim Otálora, que pensa estar conquistando o lugar de Azevedo Bandeira e acaba cego por suas ambições que não o deixam ver a verdadeira situação dos fatos, ou seja, que já estava morto antes de morrer, condenado pela sua inocente ambição.
Na verdade, nesse conto encontramos a conjunção dos dois tipos - o gaúcho e o compadrito. Aquele muito mais racional e convicto das suas tradições e este meio enganado e no conto acaba se achando mais esperto do que realmente o é.
O compadrito habita os arrebaldes, a zona intermediária entre o campo e a cidade, o que chamamos de subúrbio, onde não se tem a modernidade da cidade, nem o completo ruralismo do campo. Nos arrebaldes a vida acontece de forma diferente dos outros lugares da cidade. Borges morava no arrebaldes de Buenos Aires, tendo saído muito cedo rumo à Europa e quando retorna a sua cidade ela já está completamente mudada. Buenos Aires tinha se modernizado, o centro da cidade tinha crescido e abrangia a área que antes era intermediária entre o centro e o campo. Derivado dessa modernização urbana, o homem que habita aquele local também se transforma, perdendo seus antigos costumes, tornando-se mais comum no sentido de ser mais semelhante aos outros homens que habitam os grandes centros urbanos do mundo.
Segundo Borges, o compadrito é valente e a coragem é a sua religião. De fato, são fanfarrões que vivem de sua valentia, a brigar por qualquer coisa e a desrespeitar as leis preestabelecidas para uma convivência social harmoniosa. Sua aparição nos contos geralmente está ligada a lutas, brigas com os punhais, situações destacadas dentro de um contexto maior. Essa figura transgressora seduz Borges, assim como o gaúcho, e ele vê neles, nostalgicamente, os seus antepassados militares.
Ambos, compadrito e gaúcho, são figuras violentas e seu culto leva à reprodução de cenários onde as pelejas , lutas e toda uma série de fatos negativos passam a ser constantes .
A violência aparece também nos contos policiais onde mortes, assassinatos, enigmas existem com uma dose de realismo e grande quantidade de mistério. Todavia, a história policial composta por esses apetrechos se torna ainda mais interessante para o leitor, na medida em que Borges soma a esses apetrechos comuns outros que derivam de sua tão diversificada cultura .
No conto A morte e a bússola, tudo leva a crer que o fato será resolvido, pois já na primeira página o narrador expõe a trajetória do detetive, porém, a narrativa desse trajeto se faz tão importante quanto o próprio desfecho do conto. A quantidade de elementos externos que são colocados no texto, levando a um labirinto, cria no leitor a sensação de estranheza com relação à solução do caso.
O conto segue um caminho que geralmente é comum nos contos policiais, só que possui um acúmulo enorme de dados que, por sua complexidade, quase deixam tonto o leitor.
Borges é mestre em misturar situações reais com ficção, ele parte de elementos verdadeiros, como dados de pesquisas, ou informações contidas em enciclopédias, para realizar seus contos e ensaios. Em todo esse mecanismo de criação borgiano, encontramos coisas bastante curiosas, sendo fantástica a forma como Borges faz crer ao leitor que aquele fato é verdadeiro.
Em suas miscelâneas culturais ele usa tudo o que pode: trabalha a filosofia oriental como se tivesse grande domínio dela , assim como faz com a ocidental, sem contar o enorme conhecimento de povos bárbaros, ou não. Borges passeia sobre tudo que lhe foi possível ler durante sua vida. Não tem preconceitos literários , não lê só um gênero de livro, o que lhe permite ter uma incrível mobilidade para transitar em todos os assuntos que lhe convêm, dando esclarecimentos, fazendo análises, etc, todavia, não é de divulgar sua opinião sobre as coisas. Suas análises são neutras , como se ele estivesse em outro patamar para fazê-las , ele não se envolve, não se emociona e mantém uma imparcialidade invejável frente aos seus objetos teóricos.
Lendo um conto de Borges, desses que ele começa relatando algum costume tribal, temos a imensa sensação de que tudo é verdadeiro. Porém, não passa de uma sensação, visto que Borges não possui com relação a esses contos qualquer tipo de compromisso com o real, ele transforma sua narrativa num grande jogo lúdico, onde os elementos transitam aleatoriamente entre o real e a ficção.
Outra figura que aparece com muita frequência em grande parte da obra de Borges é o labirinto, o que pode levar à crença de que pode também o leitor se perder.
O labirinto sempre sugere o não encontro do caminho, a fuga e talvez esse seja o grande interesse do autor: fazer com que os leitores se percam nos seus caminhos, ou melhor, na sua fuga. O que interessa é que ele mesmo se perca, e não o leitor. O que Borges faz é se expressar, é colocar seus personagens em constantes fugas por labirintos, ou caminhos que também não têm fim, pois se bifurcam a cada momento. Mas, apesar de difícil, sempre existirá um novelo de lã para as mentes mais atentas às armadilhas do autor.
Os labirintos de Borges podem aparecer disfarçados de jardins, de bibliotecas, ou espelhos , mas no fundo representam uma eterna procura e querem dizer a mesma coisa nos diversos contos. Suas imagens causam um sentimento estranho nas pessoas, ninguém se deixa levar impunemente pelas palavras de um escritor, tampouco pelos caminhos ocultos que ele mostra, sem ficar pelo menos mais sensível a certos questionamentos e falta de respostas para fatos tão cotidianos do ser humano.
Na narrativa borgiana, deparamo-nos também com espelhos que refletem a imagem de Borges à procura de si mesmo, ou de sua literatura entrecortada de mistérios, mortes e labirintos. Se analisássemos todos os símbolos que aparecem nos textos de Borges, talvez descobríssemos muitas coisas a respeito dele como pessoa, porém isso não interessa, a análise psicanalítica pode não ser a forma mais correta de estudarmos um autor, muito menos quando a proposta originária é de envolvimento completo e sem barreiras com o autor e sua obra.
Também o tempo se torna uma questão labiríntica, não sabemos qual é o tempo de alguns contos. Borges trabalha a questão temporal de uma maneira muito pessoal, seus relatos perpassam da antiguidade clássica até os dias mais atuais e no mesmo conto, às vezes, é possível se observar fatos das Mil e uma noites com uma visão particularmente especial. Na verdade, tudo é um grande jogo com a imaginação e a colocação de um tempo linear só faria tirar um pouco do caráter mágico da obra desse autor, ou seja, trazê-lo para o âmbito das compreensões mais fáceis de serem apreciadas.
No seu trajeto, Borges sai do gaúcho para brincar com o tempo e o infinito, já que para o que é infinito não existe tempo cronológico. Dessa forma, também temos a fuga do tempo que escorre pelas mãos de quem escreve e, mesmo com datas, a noção de tempo fica solta no ar, como se a data estivesse sempre sozinha, entre vírgulas, e que dela independesse qualquer narrativa.
Em sua fuga consciente, Borges joga com ele mesmo, se faz personagem e como personagem dialoga com o narrador. Não são textos biográficos, embora possam às vezes parecer, são textos ficcionais. Borges personagem conversa com Borges narrador.
Em Borges e eu, a narrativa em primeira pessoa, a princípio, sugere que possa ser um texto autobiográfico, entretanto, o personagem Borges de quem o narrador tem notícias pelo correio é também ficcional , é o que dá vida a Borges , ou seja, criador e criatura se misturam e um não pode viver sem o outro.
Borges narrador sabe que de Borges escritor ele depende, embora, às vezes, não se reconheça em seus livros. Daí dizer que “o escritor é seu menos inteligente discípulo”, não se encontrar, ou se reconhecer em seus livros define que é difícil imitar-se a si mesmo.
Esse fenômeno descrito por Borges, essa preocupação com o objeto de sua criação e com o próprio processo de criação é uma questão muito presente na literatura contemporânea mundial.
No Brasil, Clarice Lispector, Silviano Santiago, Sérgio Santana e muitos outros trabalharam essa questão que analisa o criador frente a sua criatura. Nem sempre esse processo foi exposto de forma teórica, mas, sim, através de narradores personagens que tinham um envolvimento na forma da narrativa.
Ainda analisando a questão dos labirintos em Borges, observamos que ele, assim como Fernando Pessoa, é o próprio labirinto. É a própria forma labiríntica dentro dele que dita os vários caminhos que ele percorrerá, e cabe a ele escolher o melhor, o que lhe dará maior prazer.
Suas encruzilhadas e bifurcações fazem com que ele nunca trace um percurso reto, ele não é linear, ele ‘viaja’ nas várias possibilidades que seu labirinto propõe. Nada mais visual para explicar esse conceito do que o conto Jardim de caminhos que se bifurcam, em que a história pode ter vários fins.
Também a questão do “eu” é apresentada. Encontramos em Borges vários “eus” que representam a questão da personalidade do autor que, para escrever, faz o exercício de se fragmentar, de se despersonalizar para assumir uma nova imagem, uma nova face, que nem sempre corresponde a sua.
Os vários “eus” que nos habitam e que habitam Borges são o gaúcho, o compadrito, o historiador, o contador de fábulas e mistérios das Mil e uma noites e o mitológico, que ora se deixa render por um lado oculto que contrasta com sua educação racionalista e não religiosa.
No fundo, sua obra, e ele mesmo, carregam a chamada solidão infinita, que habita o poeta e o faz encontrar-se consigo mesmo, ou perder-se intencionalmente. É todo aquele sentimento muito bem definido por Rilke em Cartas a um jovem poeta, onde o autor expressa o que é para uma pessoa o fato de se sentir poeta.
No caso, o melhor amigo de Borges é o Borges que habita dentro dele, que é múltiplo e que pode oferecer a Borges escritor todas as dimensões que ele desejar.
Outra face do escritor Borges é a que se interessa e cria o conto fantástico. Nesses contos a irrealidade dos fatos é contaminada pela realidade da vida e dessa junção de elementos contrários nascem contos fantásticos, que sem colocação linear de tempo ou de fatos, fazem com que o leitor percorra o maravilhoso mundo mágico. Todavia, não são simples fantasias. Em contos como O Imortal, Borges, através de uma superfície aparentemente leve e fantasiosa, penetra no fundo da alma humana, questionando um dos assuntos mais polêmicos da existência do homem: a imortalidade da alma, a morte, a vida, o fim de todas as coisas. Alguns desses elementos também aparecem em diversos outros contos, sendo muitas vezes bastante elaborados e filosoficamente embasados.
A intertextualidade é um fenômeno muito presente na escrita de Borges, que faz referências em seus textos a diversos outros textos, de vários autores. Em O Imortal, Borges lembra Homero; na Odisséia, lembra a Ilíada de Pope, entre outros, talvez tentando, como no Pierre Menard autor do Quixote, desmistificar a questão do autor original.
Na verdade, em seus contos não existe um compromisso com a fidelidade dos fatos, tampouco com a originalidade deles. Pierre Menard escreve um Quixote tal qual Cervantes. Borges usa em seus personagens nomes que outros autores já usaram.
Todavia, esse processo não é simples, já que na realidade envolve muito mais conceitos e assimilações do que se pode imaginar.
Escrevendo ficção, Borges entra no mundo dos outros autores (assim como eu agora tento me transportar para o mundo borgiano para entender o que ele escreve), ele se desincorpora de si mesmo e mergulha na história e nas histórias que leu. Descreve fatos já contados, mas com uma visão toda sua, aquela de um homem que passa a vida debruçado sobre a literatura e vive através dela .
Esquecendo a questão do estilo e que a um escritor só é dado o direito de escrever de uma forma, ele perpassa por vários estilos, por vários gêneros, passeia do regionalismo ao conto policial, do historiador ao contador de fábulas, do filósofo ao poeta fantástico e em cada um desses momentos, por incrível que pareça, ele consegue êxito.
Num conto chamado O espelho e a máscara, talvez Borges tenha sintetizado bem o valor que dava à escritura, principalmente, à poesia. Nesse conto, que também contém alguns dos elementos característicos de Borges, ele consegue fazer com que o leitor perceba o valor do poeta e da poesia, que parece ser a verdadeira epifania. O poeta é aquele que consegue dar um sentido à vida, que consegue a ligação direta com o divino. Ser de uma luz que nunca se acaba e que vê a vida de forma muito especial e com muita sensibilidade.
Borges, em seus contos e ensaios, tem algo que é muito peculiar em sua escritura - a linguagem. Sua linguagem discursiva é sintética, precisa, ele conta os fatos e nomeia as coisas com a precisão de um instrumento feito para isso, o que demonstra profundo conhecimento da língua em que escreve e principalmente da origem dessa língua.
Sua escrita é enxuta, não existe derrame de adjetivos, nem palavras colocadas em lugares errados, nada a mais, nem a menos. As metáforas são claras, mas exigem do leitor um cabedal literário, muitas vezes mais perspicaz do que ele possa ter.
Os textos de Borges demonstram que ele domina a literatura como o gaúcho domina o cavalo, seu amigo mais fiel.
A cultura e bagagem literária de Borges é imensa e variada, e na sua maioria, foi adquirida apenas através dos livros que leu. Talvez o possam acusar de não ter tido vivência, porém será que essa é necessária quando se tem imaginação?
Numa parte de seu ensaio autobiográfico, Borges descreve como foi sua vida e como algumas vivências foram importantes para a sua imaginação e revela que alguns contos foram escritos baseados em momentos cruciais de sua vida doméstica e familiar.
Como todo escritor, nem sempre Borges dá explicações para o que escreve, só sabe que sua escritura vem de uma necessidade interna de passar para o papel aquilo que está sentindo e imaginando. Esse estar sentindo nada tem a ver com o memorialismo, tampouco com o psicologismo (que Borges odiava). Essa necessidade interna é a própria vontade de se exprimir que não tem necessariamente que falar de sentimentos inconscientes ou conscientes, mas que no fundo revela algo do personagem, às vezes do escritor. Borges escreve ficções e não textos realistas ou jornalísticos comprometidos em relatar o que efetivamente aconteceu.
Borges, de fato, prova a intransitividade da narrativa ficcional, que não tem compromisso de ser verdade, ou representar algo concreto.que simplesmente existe como forma de expressão do seu criador, e sobrevive a ele, indo além.
A ficção transgride os limites impostos pelo real, e permite que o leitor faça dela verdadeiros caminhos bifurcados, ou verdadeiros labirintos sem fio de lã.
Em cada ensaio, Borges transmite sua concepção das coisas, toma posições curiosas e age como crítico literário e como teórico,elucidando leituras, fazendo comparações, subvertendo escritas.
Grandes questões teóricas foram propostas por Borges. No livro Discussão ele faz exatamente o que o título sugere: discute vários escritos que não são seus. Inventa teorias para explicar análises de outros autores e seus escritos. De certo, o que ele faz é, depois de ler alguma coisa, pensar sobre o que leu e escrever as impressões que essas leituras lhe causaram.
Certas impressões colocadas em alguns ensaios escritos por Borges assumiram uma importância fundamental no estudo da literatura. Alguns pensamentos, mesmo não sendo completamente originais, conseguiram se eternizar, sendo objeto de vários estudos. Como exemplo temos a questão que Borges desenvolve com relação a um escritor e seus precursores em Kafta e seus precursores, onde ele diz que, resumindo todo o ensaio, o escritor cria seus precursores, e seu trabalho modifica nossa concepção do passado, assim como a do futuro.
Também no ensaio sobre Ulisses de Joyce, Borges diz ser o primeiro aventureiro a falar sobre tal livro, e segue todo o ensaio falando sobre Joyce numa espécie de biografia do autor, para depois passar ao personagem. É como se ele estivesse apresentando o escritor para um público leitor que o desconhece.
Nessa linha também são os ensaios sobre Quevedo, sobre Chesterton, entre outros . Analisando Quevedo, Borges fala sobre a questão do reconhecimento de um autor pelos leitores, ou por quem quer que fosse. Ele afirma que para que um escritor tenha glória é preciso que ele se mostre sentimental, ou que tenha algo que comova os leitores, seja na obra ou na sua vida, ou seja, o estímulo ao patetismo.
No Borges jovem, inicialmente, quando chega à Argentina, na década de 20, depois de ter passado toda a adolescência na Europa, encontramos uma preocupação em querer mostrar toda a tradição do povo argentino. Ele escrevia utilizando uma linguagem fechada, com termos de difícil compreensão, e cheio de regionalismos, tentando resgatar de alguma forma a memória de sua terra e de seu povo. Todavia, mais tarde, descobre que não existe uma tradição solidificada como a européia. Então ele desiste desse intento de resgatar algo inexistente e passa a criar novas tradições para Buenos Aires.
Nesse contexto, Borges faz uma releitura de sua cidade, dos bairros que foram sumindo com a modernização, das novas histórias que foram aparecendo e deixando para trás todo um universo mitológico de menino que existia na sua memória. Agora o autor criaria uma cidade imaginária com os tipos mais exóticos . Trata-se de uma nova Buenos Aires, onde a periferia se juntou ao centro da cidade, formando um todo coeso e onde não se tem mais as lendas que cercam o arrebalde. O compadrito se transforma e toma ares de homem moderno, com novos hábitos e novos costumes.
Borges ensaista também se atreveu a falar sobre cinema. Ele comenta os filmes a que assistiu no início do século, todavia, sua visão é superficial, sem se ater a elementos psicológicos, ou ir a fundo na alma dos atores que representam. Borges encontra no cinema a prática da narração que é desenvolvida na literatura e questiona através da análise dos filmes o binômio cultura indireta e cultura popular.
Assim, muito ainda haveria para desenvolver a respeito de Borges e de sua obra, mas esperamos ter feito nessa colcha de retalhos, pelo menos, um alinhavo do caminho que pode ser percorrido pelo leitor que se interessar por um dos grandes escritores da literatura mundial.



Bibliografia:
BORGES,J. Luis.Obras Completas. São Paulo: Globo,1999.

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