Natureza e
cultura e arte
Elis Crokidakis Castro
Adorno e Horkheimer em seu livro, Dialética do esclarecimento, afirmam que o mundo do animal é um
mundo sem conceitos, afirmam isto para discorrer sobre um assunto
interessante que é a diferença entre o
mundo do animal e o mundo do homem, fato que remonta aos primeiros estudos sobre natureza e cultura.
Segundo Miguel Reale, “se
volvermos os olhos para aquilo que nos
cerca perceberemos que o homem não
apenas existe, mas coexiste , ou seja,
vive necessariamente em companhia de
outros homens” em virtude disso o homem
estabelece relações de coordenação, subordinação, integração ou de outra
natureza. Essas relações ocorrem em razão de pessoas ou em função de coisas.
Dessa forma podemos
dizer que há 2 espécies de realidade: uma de ordem natural e outra humana, cultural ou histórica.
O mundo natural é aquele em que
as coisas se encontram em estado bruto, seu nascimento não depende da participação da inteligência ou da vontade humana. Assim o mundo natural é o que podemos
chamar de o mundo cru, aquele que é dado e onde surgimos enquanto espécie, tal
como todos os outros seres.
Todavia nós humanos tivemos um
processo de evolução que proporcionou um desenvolvimento diverso das outras
coisas do universo. Logo, ao lado do mundo cru posto pela natureza nós
passamos a exercer nossa inteligência
e nossa vontade adaptando a natureza ao nosso fim.
Quando passamos então a executar
essa adaptação criamos o que chamamos mundo cozido, ou construído, que é aquele
que criamos e acrescentamos à natureza.
Todavia esta passagem não foi
simples demorou, e resulta de um processo humano, em reconhecer que não
há conflito entre o natural e o cultural, como diz Jaspers, a natureza está
sempre na base de toda criação cultural.( Reale, p.26)
Assim nessa transformação e
adaptação do natural em sua função o
homem cria a cultura.
Cultura, que hoje possui inúmeras definições de acordo
com a disciplina contemplada, tem seu termo originário do latim, já usado
em dois sentidos, como cultura agri (agricultura) e como cultura
animi . No que toca a agricultura temos a intervenção do homem no conhecimento das leis que explicam a germinação, cultivo do solo, do qual
dependia a sobrevivência humana, era necessário
observar a natureza e a partir dali reconhecer suas leis e depois aplica-las para produzir.
Junto a cultura do campo, os
romanos viam também a “cultura do espírito , o aperfeiçoamento espiritual
baseado no conhecimento da natureza humana.”(Reale,p. 25). Na natureza humana repousa então a cultura.
Para definir cultura recorremos ao dicionário Aurélio,
que nos afirma ser “o complexo dos padrões
de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e
materiais transmitidos coletivamente e característico de uma sociedade , uma
civilização”. Para Roberto da Matta, em
detrimento do uso comum de cultura
relacionado a escolaridade, temos
cultura no sentido antropológico social e sociológico “como um mapa, um
receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam,
classificam, estudam, e modificam o mundo e a si mesmas”(Você tem cultura?)
Assim diz Roberto da Matta a cultura parece ser um bom instrumento para
compreender as diferenças entre os
homens e as sociedades. As sociedades desenvolveram potencialidades diversas o que não quer dizer
que sejam mais ou menos adiantadas, diz Roberto da Matta. Isto indica que cada
“cultura encerra elementos plásticos capaz de receber as variações e motivações dos seus membros, bem como
desafios externos”.
Todavia não foi fácil chegar a concepção moderna de cultura. Para o
sociólogo Clifford Geertz existem várias concepções de cultura e uma delas a científica, diz que a cultura estava ligada a derrubada da visão
da natureza humana dominante no Iluminismo.
Neste tentava-se comprovar,
segundo Geertz, a existência de uma
uniformidade cultural na espécie humana,para isso saíram buscando universais na
cultura e uniformidades que ao final
determinariam os traços culturais essenciais à existência humana.
Depois dessa fase de tentativa de
unificação da cultura, como se fosse algo,na essência, igual em todos os povos
da Terra, passou-se a desenvolver o conceito de cultura com base não no natural , mas no convencional, local e
variável. Com essas novas bases estabelecida foi possível que se
chegasse aos outros conceitos mais
abrangentes e que desembocam, então, no que
hoje chamamos de cultura.
Geertz nos afirma que pelo
processo de estudo do homem no conjunto
de seus costumes chegamos a conclusão de que este ser inacabado, só foi capaz
de mudar seus próprios limites biológicos através da cultura, ou seja, pela cultura foi possível ao homem se
desenvolver, se adaptar à causa natureza e criar meios para a sua
sobrevivência. Somente por causa da cultura
conseguiu o homem permanecer vivo na Terra. Logo a cultura foi
orientadora da evolução do homem. Através das adversidades, das dificuldades e
também das formas de resolve-las, e ao passar isso para outras gerações, o
homem conseguiu ir aprimorando seus conhecimentos e mudando sua forma de viver
para se adaptar aos fenômenos naturais
que podiam mata-los, ou as vezes,
transformar a própria natureza, nos fala o sociólogo.
Por esse motivo, sendo a cultura
orientadora da evolução humana, o homem se tornou dependente dela, pois segundo
Geertz, “ nossas ideias, nossos valores, nossos atos, e até mesmo nossas emoções são, como nosso
próprio sistema nervoso, produtos culturais”.
Daí também a cultura poder se
vista como um conjunto de mecanismos controladores e devido a isso pode ser
usada como instrumento de ideologia. Ao
impor determinadas formas culturais pode-se levar ao pensamento massificado e o
homem nesse caso não produzirá mais cultura, torna-se mecânico e tudo que é mecânico não tem vida intelectual sensível, pensante, de forma a atingir a sua consciência de liberdade e consequentemente a sua humanização. Para muitos, ao atingir essa humanização é
possível ao homem ter uma visão da sua condição social e por isso modificar sua
vida, coisa que nem sempre é
interessante para os que controlam os poderes instituídos e impõem o sistema.
Assim, voltando ao que difere o homem do
animal, este permanece mergulhado na natureza e o homem é capaz de transformar
a natureza tornando possível a cultura. Cultura então pode ser vista como
um “processo de autoliberação
progressiva do homem, o que o caracteriza como um ser de mutação, um ser de
projeto, que se faz à medida que transcende, que ultrapassa a própria
experiência” . Essa condição de
fragilidade, representada pela mutação, é justamente o que é a “característica
humana mais perfeita e nobre: a capacidade do homem de produzir sua própria
história”.(IF,p.6)
Justamente pautado nessa
capacidade de produzir sua história o homem se distingue do animal pois somente
o homem fala, faz uso da palavra e a partir daí cria a linguagem.
Não que o animais não tenham linguagem, eles tem, mas somente a linguagem humana conhece o
símbolo. A do animal conhece apenas o índice(forma fixa que se refere a uma
coisa.ex: palavras de adestramento de cães).
Logo a linguagem humana por usar o símbolo, forma abstrata,
“distancia o homem da experiência vivida , tornando-o capaz de reorganiza-la
numa outra totalidade, dando novo sentido”( IF, p.5)
“A linguagem por meio da
representação simbólica e abstrata, permite o distanciamento do homem em
relação ao mundo, também é o que
possibilitará seu retorno ao mundo para transforma-lo”( IF, p5)
Dessa forma a linguagem é um
sistema de representações aceitas por um grupo social, que possibilita a comunicação entre os integrantes de um mesmo grupo. Todavia,
por ser o laço entre objeto e representação
algo arbitrário, esse é então uma construção da razão, produto dela. Logo a linguagem, que é formada por símbolos
criados arbitrariamente pela razão, é um dos principais elementos da formação do
mundo cultural, da cultura. Pela linguagem, como já dissemos, podemos nos
afastar dos objetos, todavia os tornamos presentes pelo nome que simbolicamente
os representa.
A linguagem se estrutura em um
sistema de signos(algo que está em lugar
de outro, sob outro aspecto) e por isso,
por o signo estar no lugar do objeto, a representação do objeto pode assumir
aspectos variados, dependendo da relação
que o signo mantém com o objeto representado.( IF, p.29)
Daí termos vários tipos de linguagem criadas pelo homem.
A linguagem verbal, a linguagem matemática,
a de computador, as gestuais, da moda e a linguagem artística(
arquitetônica, musical, pictórica, escultórica, teatral, cinematográfica etc).
Essas todas linguagem se
estruturam de forma diversa, especificamente a linguagem artística se desenvolve respeitando a especificidade de
cada campo artístico. Por isso cada campo de exploração vai desenvolver
técnicas e estilos novos e diferentes.
Podemos dizer que foi G.E.Lessing em seu livro Laocoonte quem na modernidade
analisa mais profundamente as fronteiras
entre as artes, para o autor essas fronteiras na modernidade se alargaram e ele
no livro vai à arte clássica buscar os elementos que darão sustentação a
seus pensamentos.
Hoje podemos dizer que a largura
está ainda maior e sem limites,
as fronteiras entre as mais variadas linguagens da arte se interpenetram, não sendo possível, hoje,
se definir bem os vários tipos.
Mas o que é a arte? Assim como as
outras linguagens , dizem Aranha e Martins, a arte vai aparecer no mundo humano
como forma de organização, como modo de
transformar a experiência
vivida em objeto de conhecimento,
desta vez através do sentimento. O entendimento do mundo não se dá apenas por
meio de conceitos logicamente organizados, que pelo fato de serem abstrações
genéricas estão longe do lado sensorial, do momento vivido. O entendimento pode
se dar também através da intuição, do conhecimento imediato da formação
concreta e individual, que não fala à razão, mas ao sentimento e à imaginação.( IF, p.345)
A arte dizem as autoras, é um
caso privilegiado de entendimento do
intuitivo do mundo, tanto para o artista que cria obras concretas e singulares
quanto para o apreciador que se entrega a elas para penetrar no sentido.(IF,p345).
Dessa forma, a linguagem
simbólica da arte não é uma entidade
abstrata, nem fruto apenas da razão, são obras de arte, objetos sensíveis,
concretos, individuais, que representam a experiência vital intuída pelo artista.(IF,p.346)
O artista atribui
significados ao mundo por meio da sua
obra e o espectador lê esses
significados nela depositados, interpreta, em termos de intuição, de forma sensível e não de conceitos. Logo, na obra de arte o
importante não é o tema em si, mas o tratamento que se dá ao tema transformando-o
em símbolos e valores de determinada
época. Daí a relação entre arte e
cultura visto que a arte reflete os símbolos e valores de determinada cultura.
Espaço, Luz , tempo, sombra, cor, volume, enquanto dados sensíveis, não são
iguais na vida cotidiana e na arte.(IF,p.346). No cotidiano usamos os dados para a partir
da razão construirmos nosso conceito de
mundo físico, na arte usamos os dados para alargar nossa experiência sensível
de mundo, nossos horizontes. “ o artista não copia o que é; antes cria o que
poderia ser e, com isso , abre as portas da imaginação”.
Para E.Fischer em A necessidade da arte, “ em todo autêntico
trabalho de arte, a divisão da realidade humana em individual e
coletiva, em singular e universal, é interrompida; porém mantida como fator a
ser incorporado em uma unidade recriada.
(...) Só arte pode levar o homem de um estado de fragmentação a um estado de
ser íntegro, total. Ela capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a
suportá-la como a transformá-la,
aumentando-lhe a determinação de
torna-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade. A arte, ela
própria, é uma realidade social”.
Ainda segundo Fischer, a razão de ser da arte nunca
permanece a mesma. Sua função difere nas sociedades e diferem da função
original da arte. No entanto, independente de sua função a arte expressa uma
verdade permanente.
Pode a arte ser útil para alcançar um fim não artístico,
e isso varia no curso da história ,
seria uma função pragmática ou utilitária quer alcançar outra finalidade não da
arte em si mesma , pode também ter uma função naturalista, de representação
fiel da realidade, ou ainda formalista,
preocupada com a forma de apresentação da obra, princípios que regem sua
organização interna, aqui valorizando a experiência estética.
Há ainda que se falar do
significado da arte . Se pensamos a palavra texto, como uma unidade de
coerência e de coesão que se organiza para ter um sentido, poderemos
estende-la a qualquer tipo de arte, já que esta é uma linguagem, assim “a arte se constitui em
um texto muito especial, pois a atribuição de significados está presa a sua
forma sensível de apresentação e é inseparável dela”( IF,p.354)
Partindo desse entendimento, de
ser a arte um texto especial, podemos dizer que a informação estética, ao
contrário da informação semântica não é necessariamente lógica. A arte existe
mesmo dentro de um sistema de comunicação restrito, até interpessoal, ou mesmo
quando não há um receptor apto a
recebe-la. E ainda mais, a arte tem a característica de ser inesgotável, não se
esgota numa única leitura. Por isso não envelhece, também é uma obra aberta,
pois ela própria instaura um universo amplo
de significações que serão captadas de acordo com a capacidade do receptor.
Nos estudos da linguagem Jacobson dentre as 6
funções da linguagem enumera a função poética, está podemos dizer ultrapassa
a linguagem poética e perpassa à dimensão estética podendo ser aplicada a
outras linguagens artísticas. Esta
função,caracteriza-se pelo centramento na própria mensagem, chamando atenção para forma de estruturação e de composição.
Assim falarmos em natureza,
cultura e arte é em suma falarmos do homem em seu percurso de existência na
Terra. Não podemos hoje pensar como nos século anteriores, pois temos
informações suficientes para entender que não há mais que se falar em uma só
cultura predominante, mais em culturas que coexistem no planeta.
Com o processo de globalização,
ainda mais o processo humano se
transforma, hoje segundo Canclini falamos em culturas hibridas entendida a
hibridação por processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada ,
se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas. Ou como diria
Oswald de Andrade, no que se refere ao
modernismo brasileiro, deu-se a
antropofagia que foi a
assimilação de vários elementos culturais diversos e a formação de um outro que
englobe os seus formadores.
Ou seja, os estudos da cultura,
assim como da arte e da natureza não terminam, justamente porque somos serem
inacabados, em processo de interminável
de construção da existência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário