sábado, 2 de abril de 2011

DORIAN GRAY LEITOR DE HUYSMANS E WILDE LEITOR DE DES ESSEINTES

No ano de 2000, comemorou-se o centenário de morte de Oscar Wilde, escritor e dramaturgo irlandês que morreu aos 46 anos vitimado por meningite em um hotel em Paris.

Muitas são as biografias de Wilde e todas enfatizam além do grande escritor o homem ímpar, que em suas posições perante a sociedade fugia do chamado senso comum, da mediocridade, dos valores corrompidos pela sociedade burguesa.

Dandy, sarcástico, homossexual ou bissexual, ele sempre tinha uma frase de relevo, uma crítica sagaz à hipocrisia vigente na sociedade e por esse seu posicionamento foi alvo da mais cruel pena aplicada a um escritor. Foi julgado e preso por motivos estranhos, ou poderíamos dizer, que Wilde foi condenado por sua obra, pela criação e pelas atitudes de sua personagem.

Como dramaturgo que era Wilde nos deixou peças como Salomé que até hoje é representada nos teatros de todo o mundo, Um marido ideal, O fantasma de Canterville entre outras e como romancista foi autor de um único romance que ainda é sucesso de público O retrato de Dorian Gray.

Nesse trabalho o que especialmente nos tocará será o único romance escrito pelo autor.

Trata-se de livro que conta uma história aparentemente banal, mais um possível pacto fáustico em defesa da manutenção da beleza, da juventude, do vigor da mocidade.

A personagem principal é Dorian Gray, adolescente, dandy, que vive a vida a gozar dos prazeres que sua juventude e fortuna lhe proporcionam. Esse jovem ao ter seu retrato pintado por um artista, se apaixona por sua imagem e faz com ela uma espécie de pacto, onde somente o quadro (retrato) sentiria as implicações do tempo e da vida e ele homem, Dorian, permaneceria jovem para sempre.
Talvez pudéssemos nesse texto também fazer uma leitura através da mitologia, pois sem dúvida, o mito de narciso está presente nessa narrativa. Isso ocorre no momento em que Dorian se apaixona por sua imagem, logo seu destino estará traçado, como no mito, e a morte será inevitável.

A personalidade de Dorian, sem hesitação nos remete ao mito, pois, como a figura mitológica, Dorian é um indivíduo frio diante do outro, incapaz de entender/ atender à vontade alheia e não quer o amor de ninguém, bastando-se a si mesmo. Dorian é fechado em si mesmo e incapaz de amar o outro, como o Narciso, e ainda se entrega à autodestruição, o que é facilmente comprovado na narrativa de wilde.

O pacto fáustico é, no entanto, algo simbólico e que lemos nas entrelinhas do romance. Conforme as cenas acontecem, o leitor vai se dando conta da magnitude do ato firmado, da sordidez da personagem, dos seus desejos, vícios e todo o contexto que remete-nos ao final do século XIX.

Entretanto, o que nos chama mais atenção nesse romance é menos a história do que o embricamento que existe entre o autor e a personagem principal de seu romance entre a vida e a arte e as infinitas divagações sobre a essência do viver. Principalmente nos chama atenção a veia decadente que percorre a narrativa e que também se mistura à vida de seu autor. Não é difícil perceber que nesse livro existe uma fusão entre o autor e seus personagens. Por vezes podemos dizer que o autor aparece como Dorian, ou como Lord Henry, dependendo do momento e da fala.

É característica também desse livro a utilização de inumeráveis recursos de discurso mostrando a vertente decadente da escritura que usa, sem pudores, a intertextualidade, principalmente com o livro de Huysmans.

Assim, tal livro, O retrato de Dorian Gray, como o Às avessas é um verdadeiro modus agendi para o final do século e revela toda a inquietude do homem moderno naquele momento.

Sem dúvida, a presença de Wilde se fez muito mais marcante que a de Huysmans, principalmente no Brasil, basta vermos a data da primeira tradução de Wilde (feita por João do Rio, início do século XX) e da 1ª tradução de Huysmans( feita por José Paulo Paes, em 1987).

Contudo, mesmo com as distantes datas de tradução, não somos autorizados a dizer que os leitores brasileiros não tiveram acesso ao livro de Huysmans e outros decadentes. Acreditamos que a força do movimento foi maior do que os críticos supunham e que ele influenciou muitos dos nossos escritores do início do século XX (Elisio de Carvalho, Gonzaga Duque, e poetas que foram tratados como simbolistas). Tudo isso corrobora na opinião de muitos estudiosos quando dizem que o primeiro contato dos escritores brasileiros com a modernidade foi através dos textos decadentes.

Mas, o que é o Decadentismo? Perguntariam muitos leitores de Oscar Wilde que ao passar por seu texto não se deram conta da sua importância para o entendimento do final do século XIX.

O movimento decadente surge na França do final do século XIX, em meio a uma grande crise de “representação da realidade” (expressão que já virou lugar comum nas análises literárias que tomam como enfoque aquele momento), ou melhor, surge em meio a uma grande anarquia das idéias representativas da realidade finissecular.

Ao contrário do que pregavam realistas e naturalistas o decadentismo surge como uma reação a doxa desses movimentos, surge como marco de ruptura da arte com a realidade.

Para o Decadentismo o que importava era à busca de novas formas (artificiais é claro), o elogio à maquiagem, a máscara, a nova sensibilidade. Importava também a valorização dos sentidos, do prazer dado pelas sensações. A essa valorização somava-se uma visão pessimista da vida (pautada no pensamento de Shopenhauer e Nietzsche), e o interesse pelas coisas secretas, pelos mistérios, pelo inconsciente e pelos rituais. Tudo que pudesse dar conta de uma realidade que não mais podia ser explicada pela razão.

A personificação da alma decadente, como já disse, aparece na personagem Dorian Gray, porém, para entendermos bem a vida decadente de Dorian, nos remeteremos a uma outra personagem, des Esseintes, o ator principal do Às avessas.

É inumerável a quantidade de vezes que Wilde faz referência a bíblia do decadentismo, livro que conta à história de uma única personagem que se refugia nos arredores de Paris para viver numa casa onde todas as excentricidades são possíveis, um verdadeiro museu de formas. Nessa casa a personagem vive de suas lembranças e inventando as mais mirabolantes formas de aguçar seus sentidos, invertendo a ordem natural das coisas, até da própria função de sentir. Além de viver assolado pela nevrose, doença que aparece na maioria das personagens finisseculares.

Nesse contexto, o que fatalmente chama mais atenção, além das excentricidades, é a questão estética. Huysmans era crítico de arte e em seu texto observamos a clara intenção de valorização da arte como última salvação possível.

Seu romance então serve como palco para diversos pintores e escritores que ainda não possuíam um espaço na sociedade.

Simultaneamente a essas intenções, observamos que esse romance marca a transição para a narrativa moderna que transparece nas entrelinhas e nos simulacros do discurso decadente, cujo precursor foi Baudelaire entre outros.

Assim, munidos da bagagem de Huysmans, partimos para o Retrato de Dorian Gray onde encontramos os mesmos preceitos decadentes.

É fato que a escrita decadente huysmansiana influenciou muitos autores, porém a forma como Wilde traduz essa influência é que nos surpreende. Sabemos que o texto decadente é um texto marcado por intertextualidades, escritores fazem referências a outros escritos decadentes durante todo o tempo, entretanto, em cada texto, ou lugar, os escritores assumem um discurso que tem também um estilo próprio, embora muitas vezes falando sobre o mesmo tema.

Pontualmente, Dorian Gray tem o primeiro contato com des Esseintes no capítulo X quando Lord Henry envia-lhe o romance de Huysmans.

Em nenhum momento o nome do livro é dito e ele é tratado como “o livro amarelo” enviado pelo amigo de Dorian.

A partir desse capítulo, ou melhor, do final do capítulo X a história de Dorian Gray começa a ficar mais parecida com a de des Esseintes .

A referência ao Às avessas é feita primeiro em forma de crítica. A narrativa wildeana inicia desvendando de maneira genérica o conteúdo do enredo e de maneira singular as impressões mais fortes que o livro lhe causava.

Em síntese, nos comentários gerais sobre o livro o narrador revela todo o seu fascínio sobre a obra e lhe renderá tributo pelo resto da narrativa.

Dorian, ou Wilde, dizem, desse livro

“era como se os pecados do mundo desfilassem (...), em magníficas roupagens, numa pantomima acompanhada de sons suaves de flauta(...). O estilo do livro era esse curioso estilo cinzelado, cintilante e obscuro, eivado de gíria e de expressões arcaicas, de expressões técnicas e de paráfrases complicadas que distingue a obra de certos simbolistas franceses.” (Wilde,2001,p.138-9).

É curioso perceber que também na análise do narrador aparece a forma decadente do discurso. Os termos utilizados são os mesmos, as metáforas também e é interessante ver a análise mostrando o efeito que o livro provoca no leitor, principalmente em Dorian.

Era em suma um livro venenoso, de páginas impregnadas de um cheiro forte de incenso que perturbava o cérebro. A simples cadência das frases, a monotonia da sua música ia mergulhando a mente do leitor à medida que ele passava de um a outro capítulo, em uma espécie de devaneio de sonho malsão” (Wilde, 2001, p.139).

Porém a influência huysmansiana não se restringia ao aspecto geral. No capítulo XI ocorre uma mudança no tom da narrativa e parece que Wilde suspende a trama para somente falar das coisas que Dorian fazia, coisas estas que são as mesmas de des Esseintes . Parece mesmo uma paráfrase do texto de Huysmans. E é quando a personagem Dorian é finalmente revelada em totalidade para o mundo, revelação esta que vai do aspecto físico a sua forma de viver.

Aliás, é no início desse mesmo capítulo que Dorian manda comprar nove exemplares da primeira edição do Às avessas e manda fazer encadernações diferentes em cada exemplar que ele leria de acordo com seus diferentes estados de humor, a referência é direta ao livro de Huysmans, pois também des Essenteis tinha esse tipo de atitude com os livros de que ele mais gostava da sua biblioteca. Ele transformava em objeto de arte os seus livros com as encadernações singulares, ou seja, não só o conteúdo importava, mas também a forma do objeto e a sua utilização como peça na decoração.

Ainda nesse capítulo a análise feita pelo narrador é de que tal livro “acabou por parecer (a Dorian) a prefiguração da sua própria personalidade” (Wilde, 2001, p.140). A vida de des Esseintes é, assim, retomada por Dorian quando as cenas daquela são reapresentadas como se fossem da vida deste(Dorian).

É lógico que isso poderia ser esperado na medida em que o narrador afirma: “o livro era para ele Dorian, por assim dizer, a história da sua vida, escrita antes que ele a houvesse vivido” (Wilde, 2001, p.140).

Dorian seria então a reapresentação de des Esseintes em todos os sentidos, na forma de conviver com as pessoas, em seus hábitos, no que ele lia, no que vestia, nos valores que cultuava e mesmo, podemos dizer, na trajetória de vida, pois Dorian vivia como des Esseintes, antes deste se exilar em Fontenay aux Roses.

Depois de algumas análises psicológicas a narrativa então passa a retomar as cenas próprias da vida de uma personagem em outra, numa intertextualidade direta, podemos dizer.

A primeira cena remete aos jantares de gala que tal como des Esseintes (página 43 do Às avessas), Dorian também oferecia aos jovens.

Os seus jantares íntimos(...) gozavam de merecido renome pela seleção dos convivas, pelo gosto requintado que se revelava no arranjo das mesas disposição das flores, no luxo das toalhas, na riqueza da antiga baixela de ouro e prata” (Wilde, 2001, p.142).

Nesses jantares ambos as personagens recebiam os homens de letras, pessoas de cultura e elegância. A elegância, aliás, era uma das pedras fundamentais na personalidade de des Esseintes e por reflexo na de Dorian.

Ambos eram dandys à moda de Baudelaire e cultuavam esse estilo de ser sintetizado por Wilde (2001 p.142).

“(...) o dandismo que é a seu modo uma tentativa de afirmar o modernismo absoluto da beleza, exerciam sobre Dorian uma fascinação bem compreensível. O seu modo de vestir, as maneiras peculiares que afetava de quando em quando, influenciavam acentuadamente a mocidade dos bailes de Mayfair e dos clubes de Pall Mall, que o seguia em tudo e tentava imitar o encanto inimitável dos seus requintes de elegância, aos quais ele não prestava senão uma atenção muito relativa”.

Outra passagem que surge com influência huysmansiana na narrativa de Wilde mostra as preferências literárias da personagem principal. A obra de Petrônio, Satyricon, é também por Dorian Gray revisitada e valorizada. Nesse ponto também aparece a valorização dos sentidos.

Nessa mesma linha de raciocínio desenvolvem-se então os dois romances, Assim sendo, a “espiritualização dos sentidos” é que interessava, por isso as personagens começaram a criar inúmeras atividades que mexessem com esses sentidos.

No contexto e antes de mostrar propriamente as experiências com a música, com os cheiros, com o paladar, com a visão e o tato, a narrativa mais uma vez parafraseia Huysmans, retoma algumas suas divagações que mais parecem delírios e que falam sobre a condição humana e as filosofias que se desenvolviam na época.

No final dessa parte aparece também a referência à religião, outro ponto de suma importância no texto da vida de des Esseintes. A religião vista pelo lado do ritual e das formas teatrais que são realizadas em louvor a Deus e aos Santos numa concepção diferente daquela que se desenvolvia na sociedade de um modo geral.

Assim, muitas coisas da vida de Dorian somente são reveladas por associação com a vida de des Esseintes, outras coisas são sugeridas pelas cenas em que surgem outras personagens, as cenas de convívio social, que mostram o dia a dia.

O tempo na narrativa também é marcado de forma estranha pela imagem do quadro, retrato, de Dorian, só ele sofre com o tempo, envelhece.

Podemos notar também que nesse capítulo XI não encontramos a presença de diálogos, é como o Às avessas, um sem fim de descrições, impressões, conceitos e características. Tudo que aqui nesse capítulo se desenvolve é intertextual com o livro de Huysmans, todas as experiências realizadas pelas personagens daquele são também aqui realizadas embora nem sempre se cheguem as mesmas conclusões. Sabemos que tais experimentos, realizados por ambas as personagens, são marcas da visão cientificista vigente no final do XIX, que era também a visão que imperava na arte. Ou seja, tratava-se o viver como uma espécie de laboratório ensaístico. A vida era tomada como obra de arte, como bem disse Wilde, o que de fato era uma posição que já vinha desde a época do romantismo. Dessa forma toda uma concepção de experimentos deveria ser ativada, as pessoas iniciadas tinham que se permitir viver sendo capaz de sair da mesmice, do senso comum, e por isso não hesitavam em se expor em experimentar.

No entanto apesar de superficialmente seguir o estilo vigente, ambas as narrativas rompem de alguma maneira com o pré-estabelecido.

É fato que o Retrato de Dorian Gray foi primeiro publicado em textos soltos e só em 1891, esses textos foram compilados e enxertados a outros dando origem ao romance completo. Por isso, notamos que esse capítulo XI é como se fosse um grande enxerto, pois ele foge a estrutura convencional da narrativa, que em sua base é muito mais voltada para o texto dramático que para descrição.

Na seqüência, ainda do mesmo capítulo XI, depois de falar que: “os sentidos tanto quanto a alma têm seus mistérios” (Wilde, 2001, p.146) a narrativa inicia os experimentos com os cinco sentidos do homem.

Começando pelos perfumes, Dorian se ocupa da fabricação de essências e tenta , como des Esseintes, fazer a correspondência entre o estado de espírito em um dado momento e as sensações odoríferas, os odores que advém desse mesmo momento. Assim, a cada fato acontecido e a cada estado de alma corresponderia uma essência diferente e diz: “o aroma do incenso nos predispõe ao misticismo, o do âmbar nos estimula às paixões, o das violetas nos traz à memória de romances mortos(...)” (Wilde, 2001,146).

Depois das associações feitas com as essências Dorian envolve-se com a música. Num salão especial ele realizava os mais variados tipos de concertos. Músicas de todas as partes do mundo produzidas pelas mais variadas etnias e os mais variados instrumentos que também eram colecionados por Dorian.

De fato, fugia-se ao convencional da música, que era Beethovem, Chopin e outros que eram indiferentes para Dorian.

Até mesmo instrumentos indígenas da Amazônia faziam parte da coleção exótica da personagem, que quando se sentia cansado de tantas excentricidades voltava ao teatro para escutar o também preferido compositor de des Esseintes, Wagner.

No percurso, surgem agora as pedras preciosas também outro delírio retirado da narrativa de Huysmans, mas com fatos singulares.

Além de colecionar as pedras, Dorian colecionava as lendas a respeito delas. Tudo começou quando a personagem foi a um baile com uma fantasia que continha 560 pérolas. Sua coleção era de fazer inveja aos do ramo de gemas e continha as pedras mais exóticas. As quais Dorian fazia questão de dizer a função ou supertição que a envolvia.

Depois das pedras a personagem se volta para as tapeçarias e bordados. Sua coleção era riquíssima com bordados e peças de todo o mundo, as mais exóticas possíveis. Esse parágrafo também remete a narrativa huysmansiana, porém neste a valorização desses elementos apresenta-se mais dispersa ao longo do romance principalmente aparece quando des Esseintes esta decorando sua nova casa.

Seguindo o interesse pelos tecidos e bordados Dorian tem “uma paixão especial” pelas roupas dos eclesiásticos, não só as roupas, mas tudo que simbolize qualquer tipo de ritual religioso. Nesse mesmo parágrafo o narrador diz que esses rituais faziam a personagem esquecer a tragédia de sua vida.

Em muitos aspectos nessa parte as narrativas se assemelham, principalmente ao fato de Dorian durante alguns anos estar afastado da Inglaterra em uma vila que compartilhava com Lord Henry. As semelhanças com o vilarejo de Fontenay aux Roses, casa de des Esseintes são então muitas.

Na esteira das semelhanças temos uma série de divagações sobre a sociedade e seus aspectos morais, tudo advindo de reflexões feitas sobre a vida de Dorian, ou a vida de Wilde, reflexões estas que desembocam em algumas concepções sobre a arte, que também aparecem em A rebours .

Nessa hora entra em cena a galeria de quadros de Dorian. Em longo parágrafo do capítulo XI a personagem visita os quadros com retratos dos membros de sua família, a cada quadro correspondia uma história de vida que ele rememorava buscando uma relação com sua própria vida.

É interessante que essa galeria seja de retratos, e não de todos os tipos de representação como é a de des Esseintes, que apresenta ao mundo diversos novos artistas, reais, dessa forma existe a remissão ao Às avessas diferindo apenas o conteúdo das obras.

Depois dos quadros, Wilde desenvolve uma teoria que fala dos “ascendentes literários” das pessoas. E que esses ascendentes exerceriam muita influência sobre as pessoas, fazendo aí uma grande alusão a História que estava lendo ( Às avessas). E diz o narrador:

“O livro era o registro de sua própria vida, não como ele vivia na ação e nas circunstâncias, mas como a sua imaginação havia criado, como, para ele tinha sido ela no seu cérebro e nas suas paixões”. (Wilde, 2001, p.153).

Nesse ponto Wilde/Dorian assume realmente que na vida das personagens é que lia sua própria vida, sensação tal como a de des Esseintes. E mostrando a semelhança entre Dorian e des Esseintes a narrativa elenca uma galeria de personagens literários com os quais estas personagens principais se identificavam. Cita os capítulos 7, 8 e 9 do Às avessas com todas as figuras mais marcantes da sua literatura predileta.

O capítulo finaliza falando das formas de envenenamento da renascença e compara o livro A rebour a um veneno que o envenenou e diz “em certos momentos, o pecado não era aos seus olhos senão um simples meio de realizar o seu conceito de belo” (Wilde, 2001, p.154).

Podemos dizer que depois do capítulo XI, as referências ao livro de Huysmans são indiretas, ou seja, elas se disfarçam nas ações e diálogos de Dorian, porém não remetem diretamente ao livro, mais a uma concepção maior de vida que, sem dúvida, se assemelha com a vida de des Esseintes.

Coisas como o celibato, que é discutido no capítulo XV, a cidade, “a cura da alma por meio dos sentido e a cura dos sentidos por meio da alma” (Wilde, 2001, p.189), a discussão sobre a beleza e a arte (cap. VII), as divagações sobre a velhice e a juventude são elementos que aparecem em ambos os romances e que representam de maneira geral as concepções decadentes de vida e não só representam uma citação direta ao A rebours.

No capítulo XIX, a última remissão ao livro ocorre quando Dorian diz a Harry que “ele o envenenou com esse livro” (Wilde, 2001, p.220).

Essa afirmativa traz em si todo um conteúdo simbólico. Veneno é o que mata, daí temos a sugestão de uma relação íntima entre desejo e morte, uma relação que ao mesmo tempo pode dar motivo para a vida e encaminhar para a morte.

Talvez esse seja o caso da escrita decadente, pois se sabendo sentenciada a morte antecipadamente, ela não teme experimentar e também suas personagens não temem ousar, provar, chocar o leitor, vivenciando tudo que possa lhe causar alguma espécie de prazer, mesmo que mórbido, sádico ou perverso.

Existe nessa narrativa apenas um compromisso: com a arte, com a beleza, a artificialidade. E, o desejo de ser eternamente belo, de não envelhecer jamais é um dos sentidos da obra e alvo do pacto da personagem. Logo, tanto a obra, quanto o pacto continuam atuais, mesmo após um século da sua publicação. Vide a discussão sobre eterna juventude, ou seja, não podemos dizer que o pacto hoje é com o diabo mas, com o cirurgião. E a busca do belo como alternativa para a morte continua presente em nossos dias assim como a artificialidade que aparece cada vez mais nos corpos esculpidos com silicone.

Logo muitas são as semelhanças que ocorrem entre os finais de século, onde existe uma espécie de anarquia de idéias, como já disseram, e a constante incapacidade do homem de digerir rapidamente as mudanças porque passam o seu planeta e a sua sociedade.

Diante disso, percebemos que jamais estaremos imunes ou preparados para as descobertas, pois elas sempre trazem algo de estranho para os conceitos estabelecidos.

Entendemos assim que certos problemas que havia no final do XIX ainda hoje persistem e também persistem os questionamentos filosóficos do homem, estes que, de fato, jamais serão respondidos.

E acho que aí está o veneno ao qual Dorian se refere no final do livro, veneno este que só atinge os iniciados nos mistérios da arte e que por isso só tem um possível antídoto, a própria a arte.

E, como diz Wilde, “Passamos a vida buscando seu segredo. Pois bem, o segredo da vida é a arte”.


CONCLUSÃO:

"Toda arte é ao mesmo tempo aparência e símbolo.

Os que penetram abaixo dessa aparência o fazem por sua conta e risco."

( Wilde, 2001, p.18)

Assim, transcrevendo Oscar Wilde, no prefácio de seu único romance, chegamos ao fim desse pequeno estudo das influências de J-K Huysmans (especificamente o livro Às avessas) na obra intitulada O retrato de Dorian Gray.

Não tivemos a intenção de ser exaustivos diante desse tema, visto que, muitos outros aspectos dessas obras supra citadas podem ser ainda alvo de inúmeras pesquisas, tamanha é a riqueza de elementos que elas possuem e a sua atualidade mesmo passado mais de um século de sua criação. Entretanto, esperamos ter desvendado um pouco mais da obra desses dois grandes autores decadentes.


BIBLIOGRAFIA

HUYSMANS, J-K. Às avessas. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Companhia da Letras, 1987.

PEREIRA, J.C.S. Decadentismo e simbolismos na poesia portuguesa. Coimbra: Coimbra editora, 1978.

PRAZ, M. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Campinas: Editora Unicamp, 1996.

WILDE, O. O retrato de Dorian Gray. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

Texto Apresentado em seminário na UFRJ em 2002.

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