Decidiu que ia escrever um livro para aquele que a tinha abandonado. Chamaria "Cartas a". Queria isso porque já era tempo de se livrar de tudo aquilo. Embora tentasse há tantos anos fazê-lo, mais ou menos sete anos e meio, e ainda não tinha conseguido efetiva conclusão. Tanto tempo e pouco tempo. No decurso de tudo isso uma Pandemia me disse ela, o que fazia o tempo não ter uma clareza de passagem, mas passou. Ele, ela sabia, que havia se dado em vários outras relações.
Jamais ele deixou de procurar em várias bocas e corpos aquilo que tamparia seus vazios. Ela disse isso a ele. Mas tudo que vivera depois dela não tinha talvez o mesmo compromisso que agora, quando ele apresentava à família a pessoa da vez. Já teve casamento para rede social, mas para a família não tinha apresentado ninguém. Se isso significa amor eterno, compromisso e todo o resto, está então feito. Família Margarina na foto do perfil.
Mas as cartas dela não são de censura a ele. Não, ela acha que ele tá certo, porque com a carência que ele tem, não lhe restaria nada mais a fazer. Mas ela sabe que só agora entendeu a carência dele. Antes ela não sabia, ela não via. Pouco observadora e desligada. talvez pensando também no próprio umbigo.
Entretanto, ela precisa falar-lhe, ela talvez precise ainda falar para ele tudo, tudo que não teve coragem, por ser também orgulhosa.
Quando durante esse tempo decorrido eles tiveram uma pequena recaída, quando ele a beijou e passaram mais algumas noites juntos, ela não lhe conseguiu dizer o qual prazeroso foi. O quanto ela o amou plenamente naqueles dias de entrega. E nem ele entendeu, ou ele teve medo de se entregar, embora tivesse sido ele a dar a partida com um beijo.
Tudo isso é contexto de suas cartas, que trazem um lamento de alguém que ama e não é correspondido, alguém que está cansado de sentir o que sente, que se esgotou de um sentimento infantil, que pensa racionalmente na dependência que esse amor lhe causou que ela não conseguiu entender até a escritura das cartas, onde mostra que já perdeu a esperança, achando que ninguém mais vai aparecer, que ela não tem um caderninho de EX para acionar quando sozinha como ele faz.
Contextualizada a questão vamos às cartas:
"Hoje senti tanta saudade, foi uma espécie de nostalgia de algo que eu não saberia explicar. Eu sei que você sequer tem lembranças de mim no seu dia-a-dia, mas eu não passo um dia que não me lembre de você todos os dias. Tem dia que choro ainda, mesmo depois de tantos anos.
Acho realmente que durante 5 anos eu embotei todo esse sentimento. Dizia para mim que não te amava, mas era mentira. Dizia e aceitava tudo que você fazia de longe. Te ajudei o que pude, perto ou longe, sabendo que você estava em outras relações por várias vezes.
Não sei porque eu fazia aquilo, talvez na esperança de você reconsiderar a decisão de ter me abandonado, de ter fugido me deixando com a bola quente na mão. Eu sei que para sua fuga você criou uma narrativa desconsiderando tudo, sem me consultar e sendo egoísta como se só você tivesse sofrido com o que aconteceu, por culpa exclusivamente sua.
Eu jamais falei isso, mas toda culpa foi sua. Eu te defendi o tempo todo, para todos, julguei que você estava doente para te mandar para casa, mas tudo para te proteger. Mas você jamais entendeu. Você conseguiu em uma semana sair do " quero casar contigo" para "deixa-me viver em paz". Não sei se esperando que eu não deixasse e te pedisse para reconsiderar, mas eu estava tão esgotada com todos os problemas que por sua causa eu tive, que não tive como pedir. E você ficou com raiva, me ignorou ficou magoado comigo e arrumou a primeira Ex, que só fui saber um ano depois.
Não te disse isso, porque acho que você negaria. A sua mania é de testar o amor do outro, com todas. Acho mesmo que a atual deve estar vivendo isso.
Quando você vai crescer, nunca? Por que diz ser amigo quando não consegue isso? Que tipo de homem é você, que criança carente é você?
Eu te resumi em uma mensagem que você agradeceu, e eu disse que não ía te chamar mais, com convicção. Mas eu não consigo. Vez por outra te interpelo e vejo seu silêncio e desprezo. Cheguei a pensar em que merda eu tinha feito para merecer tal castigo. Mas você disse que não, que era o trabalho que o estava a consumir.
Então, essa é minha última esperança de me despossuir desse amor adolescente, que me consome para além da minha Razão".
A cada carta que leio dessa personagem talvez fizesse inúmeras considerações, mas não sou psicóloga, apenas transcrevo o que para posteridade pode vir a ser uma narrativa diferente. Lembrei-me de Rahel, a personagem de Hanna Arendt ou de um outro livro que li, que por uma carta a personagem principal se livra de toda uma gama de sentimentos. Vamos ver se assim ocorrerá com nossa personagem em suas recaídas solitárias de paixão.