Sebastiana chegou cedo dessa vez. Me esqueci que era sexta feira, dia de minha liberdade e quando ela se incorpora para suas atividades domésticas. Posso dizer que ela às vezes vem a toda,outras vem meia bomba.
Tudo bem, eu entendo que não é a melhor coisa do mundo passar aspirador, pano molhado, limpar aquelas coisas que ficam grudadas nos móveis brancos e que sempre estarão por lá, limpemos ou não. Ela começa sempre pelo quarto. Liga a palestra da Monja Coen e vai dobrando as roupas da semana e as que lavou no dia anterior. Não passa a ferro . Não, esse objeto é exceção na casa. Somente em estado de sítio ele surge.
Termina as roupas põe no armário e pega o novo aspirador vertical que não dá dor no quadril. Na falta de grana para um que funciona sozinho por robô, esse quebra um galho.
Depois do aspirador o pano úmido com cheio cheirinho para acabar com os tufos de poeira. Troca os lençóis, arrisca uma colcha nova bem bonita e divertida , porque hoje tá querendo alegria e arruma as novas luzinhas vermelhas que colocou sobre a cama. Até que dá um clima.
Depois vai aos outros cômodos. Sempre tem cabelo por todo lado, por isso o aspirador é o principal.
Sebastiana faz as coisas em silêncio. A vida vem passando na mente enquanto limpa, enquanto tira o pó e arruma as coisas. Mesmo sendo sozinha sabe dessa necessidade. Lembra de pessoas que passaram aqui, olha armários que precisam ser mexidos e coisas que precisam ser esvaziadas. Abrir espaços é importante, abrir e deixaŕ limpo para outra fase da vida.
Limpar a chaminé é o que li, no livro cujos personagens são Freud e Nietzsche. Trabalho que tem que ser feito sempre sob pena do fogo não acender pelo acúmulo de detritos.
Penso que é mesmo assim, que as metáforas servem para tudo . E tudo que vemos com atenção nos serve em algum momento da vida. Mas tem que estar atento.
Silenciosamente Sebastiana, tal como a de Stella Manhatan, vai tecendo sua rede. Vem a mente o dia anterior , quando fez a fachina semanal do psicólogo.
Aqueles que acham que tem toda a razão sobre o sentir dos outros. Os mesmos que se acham no direito de pontuar tudo que você faz de errado e que você pensa de errado, e ainda são pagos por nós para isso.
Eles são feras nisso. Mas nem sempre estão certos. Certa feita as pessoas se enchem e os mandam catar coquinhos. Talvez essas horas sejam as que eles mais acertem.
Aceitar,diz Sebastiana, palavra mágica. Todavia com duplo sentido.
Preferia azeitar, passar azeite para ficar mais liso e escorregar com as coisas da vida.
Talvez aceitar pressupunha um certo grau de conformismo. Será? Parece com aquilo que não se luta,que não se briga para ser e estar e ter.
Talvez não seja muito do nosso perfil , nem meu ,nem de Sebastiana.
Aceitar a posição do outro e aceitar a sua própria posição. A fachina precisa ser feita. Precisa tirar o que ficou de excesso do sabão em pó. Tem que passar água várias vezes e só depois de muita limpeza da para ver o que resta.
Se ficar limpo mesmo, cabe de novo restaurar o uso. Se ficar mais ou menos, pode ter problemas futuros.
Na verdade Sebastiana fala que a limpeza tem que ser feita em fases porque tá muito incrustado. E não sairá tudo de uma vez. Penso se jogo logo fora e invisto em outro ou espero as fases para desencrustar/desencantar.
Jogar fora é sempre mais fácil. Aceitar . Não jogar fora exige mais estudo, tempo, saber se vale a pena, ter plena convicção de que pode ser mais bem apreciado depois .
Sebastiana me deixou em dúvida, o que não é raro. Descartar tudo e ir em frente, ou ir limpando até luzir.
Pela ótica da liquidez pós moderna é descarte. Mas,como sou mais do século XIX, esse descarte me incomoda, é mais lixo,é mais dor e talvez menos compreensão.
Sebastiana tá quase na hora de finalizar, tudo está caminhando, de um jeito ou de outro a vida seguirá. Aceitar ou azeitar, no fundo não fará grande diferença.
A escrita vai ficar, as metáforas virão e irão, tanto faz. Importante mesmo é não se incomodar com isso além do necessário, que o resto fluirá por si só.
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